domingo, 12 de janeiro de 2014

Antropoceno




É uma pena que ainda estejamos vivendo em uma era oficialmente chamada de Holoceno. O Antropoceno - domínio humano de processos geológicos, biológicos e químicos na Terra - já é uma realidade inegável. Há evidências de que a mudança de nome sugerido por nós há mais de dez anos está atrasada. Ainda pode levar algum tempo para o corpo científico responsável pela nomeação dos grandes períodos de tempo na história da Terra, a Comissão Internacional de Estratigrafia, decidir sobre esta mudança de nome. Mas isso não deve nos impedir de ver e aprender o que significa viver nesta nova época, o Antropoceno, em um planeta que está sendo antropomodificado em alta velocidade.

Durante milênios, os seres humanos têm se comportado como rebeldes contra uma superpotência, que chamamos de "natureza". No século XX, no entanto, as novas tecnologias, combustíveis fósseis e uma população em rápido crescimento resultaram em uma "grande aceleração" dos nossos próprios poderes. Embora desajeitadamente, estamos tomando o controle e domínio da natureza, do clima, do DNA. Nós, seres humanos estamos nos tornando a força dominante da mudança na Terra. A idéia religiosa e filosófica de longa data - os seres humanos como os mestres do planeta Terra - se transformou em uma dura realidade. O que fazemos agora afetará o planeta no ano 3000 ou até no ano 50.000!

A mudança do clima nos milênios vindouros é apenas um aspecto. Com a redução das florestas tropicais, movendo montanhas para acessar depósitos de carvão e acidificando recifes de coral, nossas ações mudarão fundamentalmente a biologia e a geologia do planeta. Durante o processo estamos conduzindo um incontável número de espécies à extinção, e ao mesmo tempo criando novas formas de vida através da tecnologia genética, e, em breve, por meio da biologia sintética.

A população humana vai se aproximar de dez bilhões dentro de um século. Nós espalhamos nossos ecossistemas incluindo "mega-regiões" com mais de 100 milhões de habitantes, com paisagens caracterizadas por uso humano pesado - terras agrícolas degradadas, terrenos baldios industriais e paisagens de lazer - tornando característica a superfície do planeta. Nós infundimos grandes quatidades de produtos químicos sintéticos e resíduos persistentes no metabolismo da Terra. Onde o deserto ainda permanece, é porque a exploração todavia não é rentável.  Não se trata mais de estar contra a “Natura”. Nós agora decidimos como a natureza  vai ser. Transformamos animais selvagens em uma nova forma de animais de estimação.


Os geógrafos Erle Ellis e Navin Ramankutty argumentam que não estamos mais perturbando os ecossistemas naturais. Em vez disso, agora vivemos em "sistemas humanos com os ecossistemas naturais embutidos dentro deles." As barreiras de longa data entre a natureza e a cultura estão desmoronando.

Para dominar esta grande mudança, temos de mudar a forma como percebemos a nós mesmos e nosso papel no mundo. Os alunos na escola ainda são ensinados de que estamos vivendo no Holocenco, uma era que começou a cerca de 12.000 anos atrás, no final da última Idade do Gelo. Mas ensinar os alunos que estamos vivendo no Antropoceno, a Era dos Homens, poderia ser de grande ajuda. Em vez de representar mais um sinal de arrogância humana, esta mudança de nome sublinha a enormidade da responsabilidade da humanidade como a grande proprietária da Terra. Esta denominação destaca o imenso poder da nossa inteligência e da nossa criatividade, e as oportunidades que elas oferecem para moldar o futuro.

Se olharmos como a tecnologia e as culturas mudaram desde 1911, parece que quase tudo é possível, até o ano 2111. Estamos confiantes de que a geração jovem de hoje é a chave para transformar nossos sistemas de energia e de produção renovável e de valorização da vida em suas diversas formas. A consciência de viver na Idade dos Homens poderia injetar algum otimismo em nossas sociedades.

O que significa viver de acordo com os desafios do Antropoceno? Gostaríamos de sugerir três caminhos para consideração:

Em primeiro lugar, devemos aprender a crescer de maneiras diferentes do que com o nosso atual hiper-consumo. O que hoje chamamos de "crescimento" econômico demanda na verdade uma grande grande recessão para a cadeia da vida. Gandhi ressaltou que "A Terra provê o suficiente para satisfazer as necessidades de todos os homens, mas não a ganância de todos os homens."

Para acomodar o estilo de vida ocidental para 10 bilhões de pessoas, precisaríamos de mais alguns planetas. Com os países em todo o mundo se esforçam para atingir o "American Way of Life", os cidadãos do Ocidente devem redefini-lo - um estilo de vida modesto como o dos pioneiros, renovável, consciente, e menos materialista. Isso inclui, em primeiro lugar, cortar o consumo de carne produzida industrialmente e mudar de veículos particulares para o transporte público.

Segundo, devemos superar os níveis atuais dos investimentos em ciência e tecnologia. Nossos problemas vão se aprofundar exponencialmente se não formos capazes de substituir a infra-estrutura de combustível fóssil e de desperdício de hoje, por um sistema alimentado por energia solar em suas diversas formas, a partir da fotossíntese artificial e a energia da fusão. Precisamos de tecnologias bio-adaptativas para parar de "desperdiçar"-  uma coisa do passado - entre eles precisamos de novos carros compostáveis. Precisamos de inovações adaptadas às necessidades dos mais pobres, por exemplo, novas variedades de plantas que podem suportar mudanças climáticas e iPads robustos com aconselhamento agrícola prático e informações de mercado para os pequenos agricultores. A agricultura mundial deve tornar-se  de alta tecnologia e orgânica ao mesmo tempo, permitindo explorações para beneficiar a saúde dos habitats naturais. Precisamos também desenvolver tecnologias para reciclar substâncias como fósforo, um elemento chave para fertilizantes e, portanto, para a segurança alimentar.

As despesas militares globais alcançaram 1,531 bilhões de dólares em 2009, um aumento de 49 por cento em relação a 2000. É preciso investir pelo menos tanto na compreensão, gerenciamento e restauração do nosso "sistema de segurança verde" - a intrincada rede de clima, solo e biodiversidade.

Devemos construir uma cultura que cresça com a riqueza biológica da Terra, em vez de esgotá-la. As concentrações de CO2 na atmosfera tem que chegar a níveis seguros, precisamos avançar no sentido de "emissões negativas", por exemplo, através da utilização de resíduos de plantas em usinas de energia com captura de carbono e tecnologia de armazenamento. Precisamos também desenvolver capacidades de geoengenharia, a fim de estarmos preparados para os piores cenários. Além de cortar as emissões de CO2 da indústria e proteção das florestas, serão necessários grandes investimentos para manter os enormes estoques de carbono em solos férteis, atualmente esgotados por práticas agrícolas de exploração. Para a biodiversidade, os restos verdes em um mar de destruição não serão suficientes - é preciso construir  "infra-estruturas verdes", onde os organismos e genes possam fluir livremente em vastas áreas e manter as funções biológicas.

Finalmente, devemos adaptar a nossa cultura para sustentar o que pode ser chamado de "organismo mundial." Essa frase não foi cunhado por um guru esotérico de Gaia, mas pelo eminente cientista alemão  Alexander von Humboldt há 200 anos. Humboldt queria ver quão profundamente interligadas nossas vidas estão com a riqueza da natureza, na esperança de que as nossas capacidades iriam crescer como parte deste organismo mundial. Sua mensagem sugere que deveríamos mudar nossa missão para a gestão, para que possamos orientar o curso da natureza simbioticamente em vez de escravizar o mundo natural.

Imaginem nossos descendentes no ano 2200 ou 2500. Eles podem nos comparar aos alienígenas que tenham tratado a Terra como se fosse uma mera paragem para reabastecer, ou pior ainda, caracterizar-nos como bárbaros que iriam saquear sua própria casa. Fazer jus ao Antropoceno significa construir uma cultura que cresça com a riqueza biológica da Terra, em vez de esgotá-la. Lembre-se, nesta nova era a natureza é a gente mesmo!