É uma pena que ainda estejamos vivendo em uma era
oficialmente chamada de Holoceno. O Antropoceno - domínio humano de processos
geológicos, biológicos e químicos na Terra - já é uma realidade inegável. Há
evidências de que a mudança de nome sugerido por nós há mais de dez anos está
atrasada. Ainda pode levar algum tempo para o corpo científico responsável pela
nomeação dos grandes períodos de tempo na história da Terra, a Comissão Internacional
de Estratigrafia, decidir sobre esta mudança de nome.
Mas isso não deve nos impedir de ver e aprender o que significa viver nesta
nova época, o Antropoceno, em um planeta que está sendo antropomodificado em
alta velocidade.
Durante milênios, os seres humanos têm se comportado
como rebeldes contra uma superpotência, que chamamos de "natureza". No
século XX, no entanto, as novas tecnologias, combustíveis fósseis e uma
população em rápido crescimento resultaram em uma "grande aceleração"
dos nossos próprios poderes. Embora desajeitadamente, estamos tomando o
controle e domínio da natureza, do clima, do DNA. Nós, seres humanos estamos
nos tornando a força dominante da mudança na Terra. A idéia religiosa e
filosófica de longa data - os seres humanos como os mestres do planeta Terra -
se transformou em uma dura realidade. O que fazemos agora afetará o planeta no
ano 3000 ou até no ano 50.000!
A mudança do clima nos milênios vindouros é
apenas um aspecto. Com a redução das florestas tropicais, movendo montanhas para
acessar depósitos de carvão e acidificando recifes de coral, nossas ações mudarão
fundamentalmente a biologia e a geologia do planeta. Durante o processo estamos
conduzindo um incontável número de espécies à extinção, e ao mesmo tempo criando
novas formas de vida através da tecnologia genética, e, em breve, por meio da
biologia sintética.
A população humana vai se aproximar de dez
bilhões dentro de um século. Nós espalhamos nossos ecossistemas incluindo
"mega-regiões" com mais de 100 milhões de habitantes, com paisagens
caracterizadas por uso humano pesado - terras agrícolas degradadas, terrenos
baldios industriais e paisagens de lazer - tornando característica a superfície
do planeta. Nós infundimos grandes quatidades de produtos químicos sintéticos e
resíduos persistentes no metabolismo da Terra. Onde o deserto ainda permanece,
é porque a exploração todavia não é rentável. Não se trata mais
de estar contra a “Natura”. Nós agora decidimos como a natureza vai ser. Transformamos animais
selvagens em uma nova forma de animais de estimação.
Os geógrafos Erle Ellis e Navin Ramankutty
argumentam que não estamos mais perturbando os ecossistemas naturais. Em vez
disso, agora vivemos em "sistemas humanos com os ecossistemas naturais
embutidos dentro deles." As barreiras de longa data entre a natureza e a
cultura estão desmoronando.
Para dominar esta grande mudança, temos de mudar
a forma como percebemos a nós mesmos e nosso papel no mundo. Os alunos na
escola ainda são ensinados de que estamos vivendo no Holocenco, uma era que
começou a cerca de 12.000 anos atrás, no final da última Idade do Gelo. Mas
ensinar os alunos que estamos vivendo no Antropoceno, a Era dos Homens, poderia
ser de grande ajuda. Em vez de representar mais um sinal de arrogância humana,
esta mudança de nome sublinha a enormidade da responsabilidade da humanidade
como a grande proprietária da Terra. Esta denominação destaca o imenso poder da
nossa inteligência e da nossa criatividade, e as oportunidades que elas
oferecem para moldar o futuro.
Se olharmos como a tecnologia e as culturas
mudaram desde 1911, parece que quase tudo é possível, até o ano 2111. Estamos
confiantes de que a geração jovem de hoje é a chave para transformar nossos
sistemas de energia e de produção renovável e de valorização da vida em suas diversas
formas. A consciência de viver na Idade dos Homens poderia injetar algum otimismo em nossas sociedades.
O que significa viver de acordo com os desafios
do Antropoceno? Gostaríamos de sugerir três caminhos para consideração:
Em primeiro lugar, devemos aprender a crescer de
maneiras diferentes do que com o nosso atual hiper-consumo. O que hoje chamamos
de "crescimento" econômico demanda na verdade uma grande grande
recessão para a cadeia da vida. Gandhi ressaltou que "A Terra provê o
suficiente para satisfazer as necessidades de todos os homens, mas não a
ganância de todos os homens."
Para acomodar o estilo de vida
ocidental para 10 bilhões de pessoas, precisaríamos de mais alguns planetas. Com
os países em todo o mundo se esforçam para atingir o "American Way of
Life", os cidadãos do Ocidente devem redefini-lo - um estilo de vida
modesto como o dos pioneiros, renovável, consciente, e menos materialista. Isso inclui,
em primeiro lugar, cortar o consumo de carne produzida industrialmente e mudar
de veículos particulares para o transporte público.
Segundo, devemos superar os níveis atuais dos investimentos
em ciência e tecnologia. Nossos problemas vão se aprofundar exponencialmente se
não formos capazes de substituir a infra-estrutura de combustível fóssil e de
desperdício de hoje, por um sistema alimentado por energia solar em suas
diversas formas, a partir da fotossíntese artificial e a energia da fusão.
Precisamos de tecnologias bio-adaptativas para parar de "desperdiçar"- uma coisa do passado - entre eles precisamos de novos carros
compostáveis. Precisamos de inovações adaptadas às necessidades dos mais
pobres, por exemplo, novas variedades de plantas que podem suportar mudanças
climáticas e iPads robustos com aconselhamento agrícola prático e informações
de mercado para os pequenos agricultores. A agricultura mundial deve tornar-se de alta tecnologia e orgânica ao mesmo tempo,
permitindo explorações para beneficiar a saúde dos habitats naturais.
Precisamos também desenvolver tecnologias para reciclar substâncias como
fósforo, um elemento chave para fertilizantes e, portanto, para a segurança
alimentar.
As despesas militares globais alcançaram 1,531
bilhões de dólares em 2009, um aumento de 49 por cento em relação a 2000. É
preciso investir pelo menos tanto na compreensão, gerenciamento e restauração do
nosso "sistema de segurança verde" - a intrincada rede de clima, solo
e biodiversidade.
Devemos construir uma cultura que
cresça com a riqueza biológica da Terra, em vez de esgotá-la. As
concentrações de CO2 na atmosfera tem que chegar a níveis seguros, precisamos
avançar no sentido de "emissões negativas", por exemplo, através da
utilização de resíduos de plantas em usinas de energia com captura de carbono e tecnologia de
armazenamento. Precisamos também desenvolver capacidades de geoengenharia, a
fim de estarmos preparados para os piores cenários. Além de cortar as emissões
de CO2 da indústria e proteção das florestas, serão necessários grandes
investimentos para manter os enormes estoques de carbono em solos férteis,
atualmente esgotados por práticas agrícolas de exploração. Para a
biodiversidade, os restos verdes em um mar de destruição não serão suficientes
- é preciso construir "infra-estruturas verdes", onde os
organismos e genes possam fluir livremente em vastas áreas e manter as funções
biológicas.
Finalmente, devemos adaptar a nossa cultura para
sustentar o que pode ser chamado de "organismo mundial." Essa frase
não foi cunhado por um guru esotérico de Gaia, mas pelo eminente cientista
alemão Alexander von Humboldt há 200
anos. Humboldt queria ver quão profundamente interligadas nossas vidas estão
com a riqueza da natureza, na esperança de que as nossas capacidades iriam
crescer como parte deste organismo mundial. Sua mensagem sugere que deveríamos
mudar nossa missão para a gestão, para que possamos orientar o curso da
natureza simbioticamente em vez de escravizar o mundo natural.
Imaginem nossos descendentes no ano 2200 ou 2500.
Eles podem nos comparar aos alienígenas que tenham tratado a Terra como se
fosse uma mera paragem para reabastecer, ou pior ainda, caracterizar-nos como
bárbaros que iriam saquear sua própria casa. Fazer jus ao Antropoceno significa
construir uma cultura que cresça com a riqueza biológica da Terra, em vez de
esgotá-la. Lembre-se, nesta nova era a natureza é a gente mesmo!